O "pacto pelo alto", ou a conciliação entre as elites
– feliz categoria que nos legou o historiador José Honório Rodrigues para
explicar os "acordões'' entre os donos do poder voltou a se manifestar
na tarde desta quarta-feira com a decisão do STF de manter Renan Calheiros na
presidência do Senado, embora afastado da linha sucessória. E com isso,
completou-se a regressão do Brasil, até há pouco tempo uma jovem e promissora
democracia, a um grande bananal.
Nas últimas horas um ministro da suprema corte
destituiu sozinho o presidente de uma casa do Legislativo, estando inconcluso
um julgamento sobre o tema, interrompido quando já havia uma maioria. O
intimado dobrou o erro ao ignorar a notificação e dar olé no oficial de
justiça.
A Mesa do Senado informou protocolarmente ao STF que desconheceria a
liminar até o julgamento do plenário, que reunido ontem, atendeu aos apelos e
encontrou o jeitinho para manter Renan no cargo.
E o fez, com argumentos
jurídicos, em nome da aprovação de uma emenda constitucional que invade os
mandatos de futuros presidentes – logo, a vontade popular futuramente expressa
nas urnas – com um teto rígido para os gastos do Estado. Com o STF decidindo
por razões políticas, ainda que com amparo constitucional, viramos mesmo uma
república bananeira. Um "bananão", como dizia Paulo Francis nos
primórdios da redemocratização.
O mesmo Supremo que lavou as mãos diante do golpe parlamentar
contra Dilma, limitando-se a fixar ritos e a presidir sessões, e eximindo-se de
examinar a configuração ou não de crime de responsabilidade, agora conseguiu a
"flexibilidade" que lhe permitiu atender ao governo, ao Senado e a
Renan. Limaram com elegância litúrgica o ministro Marco Aurélio para derrubar
sua liminar.
O decano Celso de Mello, sempre tão assertivo, manejou as palavras
com delicadeza para retificar seu voto do dia 3 de novembro. O que quis dizer
ali, explicou em jurisdiquês, é que o réu perante o STF fica impedido de
substituir o presidente da República mas pode conservar o mandato e o cargo de
dirigente do poder que integra. Uma luva para a mão de Renan.
Mello, que como
decano sempre vota por último, antes do ou da presidente, votou primeiro, numa
inversão destinada a abrir a fila para que outros o seguissem. Luiz Fux fez um
contorcionismo verbal e jurídico admirável para concluir que o STF não deve
interferir na agenda do outro poder. Por fim, votou a presidente Carmem Lúcia,
oferecendo a Marco Aurélio as flores da reverência, enaltecendo a independência
da corte, antes de acompanhar o voto divergente aberto pelo decano.
Mas foi ela
a mais explícita, ao falar da necessidade de prudência diante das dificuldades
econômicas e políticas do país, embora tenha, como outros, argumentando que a
liminar pecou por antecipou-se ao julgamento, ainda não concluído, sobre a
situação dos réus que estão na linha sucessória. Por isso foi acolhida parcialmente.
Ou seja, Renan fica no cargo mas não poderá substituir Temer. Isso não estava
em casa, mas façamos de conta. Ficaram com Marco Aurélio, fora do acordão,
Fachin e Rosa Weber.
Os conchavos vararam a noite em busca de uma saída para o beco
institucional. Temer entrou firme no jogo expondo a ministros do STF a
importância de manter Renan na presidência do Senado para garantir a aprovação
da PEC 55. "Quanto poder!", ironizou o ministro Marco Aurélio.
Eis um
governo que depende de um homem, e de uma estripulia da mais alta corte, para
garantir a governabilidade, reduzida à aprovação de uma emenda constitucional e
uma LDO. Este é o seu programa de governo. Depois, seja o que Deus quiser.
E as
elites, muito em breve, quando estiver vencida esta etapa para a qual escalaram
Temer presidente, farão outro "pacto pelo alto", livrando-se dele
para entronizar outro governante, eleito em outro conchavo.
O povo? Como em outros momentos históricos de conciliação entre
as elites, estará alheio ou fazendo papel de massa de manobra. Os tolos que
foram às ruas no domingo apoiar a Lava Jato e pedir a cabeça de Renan agora
irão bater panelas exibindo caras de tacho? A massa de manobra por vezes erra o
tom da cantilena. Mas as elites se entendem, acima dela.
Via Brasil 247
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