A Operação Lava Jato desenrolou-se, nos últimos dois anos,
seguindo uma narrativa com início, meio e fim. Uma história que devia terminar
com Lula preso e responsabilizado pela montagem de um mega-esquema de corrupção
para financiar a manutenção do PT no poder.
Caracterizado como podre e
corrupto, o partido, no final da história, também poderia ter seu registro
cassado e desaparecer de cena. De Dilma, cuidaria o Congresso com o
impeachment. Alguns fatos recentes, entretanto, estão ameaçando o o
curso da narrativa. Por isso a lista da Odebrecht agora foi posta pelo Juiz
Moro sob sigilo, depois de ele ter autorizado a divulgação do grampo
Dilma-Lula.
Por isso o Ministério Público praticamente dispensou a
“colaboração definitiva” da empreiteira.Em agosto do ano passado, quando José
Dirceu foi preso às vésperas do protesto do dia 16 daquele mês contra Dilma e o
governo, a narrativa fez uma forte inflexão.
Registramos neste
blog, no dia 25 de agosto: “Lava Jato muda narrativa para chegar a Lula”.
Falando sobre a 17ª. Fase, em que Dirceu foi preso, o procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima, porta voz mais frequente do comando de Curitiba,
afirmou repetidas vezes em relação a Dirceu: "Chegamos a um dos líderes principais, que instituiu o
esquema, permitiu que ele existisse e se beneficiou dele". E estabeleceu a
comparação com o mensalão de 2005: “O DNA é o mesmo: compra de apoio político”.
Com muita insistência afirmou que o esquema “teve início no
governo Lula” e perguntado se o ex-presidente também seria investigado
respondeu:"nenhuma pessoa no regime
republicano está isenta de ser investigada". A frase inteira em que ele responsabiliza Dirceu foi
claramente insinuante: "Não descarto que existam
outros cabeças mas chegamos a um dos líderes principais, que instituiu o
esquema, permitiu que ele existisse e se beneficiou dele".
Vieram as outras
fases. A Odebrecht foi a única empreiteira que, mesmo tendo seu principal
executivo e herdeiro preso, recusou-se a fazer acordo de delação. Nas fases
seguintes, não foram encontradas provas de que Lula era “o outro cabeça” ou a
principal cabeça do esquema Petrobrás. Ele então começou a ser investigado
pelas obras no sítio de Atibaia e por reformas no apartamento que não chegou a
comprar. Dava no mesmo, ou quase.
O cerco a Lula
foi se fechando ao mesmo tempo que o Congresso avançava contra Dilma com o
impeachment. Quando ela chama Lula para ajuda-la a resistir e a soerguer o
governo, e o nomeia ministro, Moro dá o tiro de escopeta da divulgação
ilegal dos grampos. Foi aí que a narrativa começou a sair dos trilhos. Moro
expôs-se mais que o devido, para além do previsto no script.
A base social
de Lula e do PT também foi às ruas. A consciência jurídica manifestou-se contra
o impeachment por razões políticas, que assim sendo, ganha outro nome, como
disse Renan Calheiros. O nome de golpe.
E para completar, com
a operação Xepa invandindo suas sedes em várias cidades, a Odebrecht informa em
nota que está disposta a fazer uma “colaboração definitiva” sobre fatos que se
relacionam com a existência “de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento
do sistema partidário-eleitoal”. Opa, de um sistema? Na narrativa original
estava escrito “um partido”.
E começa o vazamento
da lista com mais de 300 nomes do “sistema” que receberam dinheiro da
empreiteira. Doações legais ou ilegais? Não importa, pois as doações das
empreiteiras ao PT não são consideradas como “propinas”.
O “sistema”, segundo
a lista, é antigo, remonta aos anos 1980. Opa, isso contradiz o procurador que
afirmou sem sombra de dúvida que ele “foi instituído no governo Lula”.
O Ministério Público
então avisa que não tem interesse pela delação da Odebrecht. Ela poderia ser um
tiro fatal na narrativa.
Mas aí vem Pedro
Correa, um velho político das franjas do sistema, com uma delação em que
espalha bala para todo lado. Afirma até que FHC comprou a emenda da reeleição
com a ajuda do Banco Itaú. Encalacra o PSDB, o TCU e todo mundo.
O país também tem direito à
delação de Pedro Correa. Só falta ela ser protegida por sigilo, como nenhuma
outra foi.
Definitivamente, a
narrativa está saindo do script original.
Está se
caracterizando a existência de um “sistema” de financiamento da política a
partir do Estado mas não um financiamento público transparente e lícito. Tal
sistema se baseia no financiamento pelo Estado a partir dos contratos com
grandes empresas fornecedoras, e nele os operadores de dentro e fora do Estado
embolsam uma boa parte. Baruscos e companhia. Um sistema que gera e realimenta
a corrupção, qualquer que seja o partido no poder.
Esta verdade não
interessa à Lava Jato e aos que dela se valeram para fomentar a crise. Não
interessa ao “sistema”.
Mas é a partir dela
que poderemos realmente passar o sistema político a limpo para o bem da
democracia. Se ele for mantido, mesmo com Lula defenestrado da cena
política, Dilma afastada e o PT banido para a terra do mal, mesmo com as
empreiteiras sangradas, abrindo espaço para empresas estrangeiras, outras
crises virão.
A palavra do momento
é acordão. Faz-se o impeachment e na poeira todos escapam. Com isso, as ruas
não podem concordar. Nem as que estão contra Dilma, nem as que combatem o
golpe.
Via Brasil 247
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